Um documentário lançado. Sete pontos do centro histórico de Cuiabá visitados. Uma lista negra com mais de 100 fontes para consulta da imprensa. E incontáveis aprendizados sobre a história do povo negro na formação da capital mato-grossense. Esse foi o saldo do evento ocorrido no último sábado (18), no Museu da Imagem e do Som de Cuiabá (Misc), para marcar a Semana da Consciência Negra, reunindo mais de 100 participantes.
A manhã começou com a exibição do documentário “Rota da Ancestralidade: a história não contada”, produzida pela jornalista e membro da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira-MT), Bruna Maciel, que, com forte tom de oralidade, traz o diretor do Misc e idealizador da Rota da Ancestralidade, Cristóvão Luiz Gonçalves da Silva, contando a história de cada um dos sete pontos da rota.
Dentre os locais está a chamada “alavanca de ouro”, localizada entre a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e Capela de São Benedito e o Morro da Luz, onde no século XVIII funcionou um garimpo, as chamadas “lavras do Sutil”. Ali, nas escavações em busca de ouro, inúmeros negros escravizados morreram soterrados. A rota da ancestralidade também contempla o Largo do Rosário, a Praça da Mãe Preta, a Praça da Mandioca, a Rua das Pretas (atual Ricardo Franco), o Beco do Candeeiro e Misc.
Idealizador da Rota da Ancestralidade, o diretor do Museu da Imagem e do Som de Cuiabá, Cristóvão Luiz, afirma que a rota é uma viagem pelos bairros mais antigos de Cuiabá e uma conexão com as famílias e devotos de São Benedito, de origem africana e indígena, citando Pedro Benedito, Charuto, Jovina Bola de Ouro, Benedito Zamboada, Joaquim Claudionor, Izaudino Marques, dona Betinha, dona Juja, dona Maci, Guilhermina, Gestrude, Bilica, João Carneiro Honorato, Geraldo Henrique Costa, Sebastião Farias, Xaninha, Ana Benedita das Neves e seu filho Alair Fernandes das Neves, homenageada na Praça da Mãe Preta, Júlia Teixeira, Mestre Ignácio, Constantino, Benedito Libânio, entre outros. “São personalidades que você e eu não vamos ver porque não são de famílias tradicionais, mas são de famílias de influência africana nesse solo sagrado, nesse quilombo chamado de Cuiabá Cidade Verde. Então, a Rota da Ancestralidade é uma dívida que nós temos para com a nossa ancestralidade. Passeando nesses becos, ruas e ruelas, nós encontramos essa voz silenciosa desses homens e mulheres”, diz.
O diretor do Misc aproveitou para agradecer o apoio da Secretaria Municipal de Cultura, nas pessoas do secretário e do secretário-adjunto, respectivamente, Aluízio Leite e Justino Astrevo Aguiar; e às parcerias com o projeto Psicanálise na Rua, que oferece atendimento à população em situação de rua dentro das dependências do Misc, com a Web Kizomba TV, com a documentarista Bruna Maciel, com a Cojira-MT, com a Lavagem das Escadarias do Rosário. Cristóvão agradeceu ainda “a todos aqueles que têm o coração aberto e livre para pensar sobre algo que nos é sagrado, que é o voo sobre a liberdade, para uma cultura de paz”.
Partindo para a Rota da Ancestralidade, os participantes do evento percorreram todos esses lugares históricos, conduzidos por Cristóvão Luiz e pela historiadora Cristina Soares, que explicaram o significado histórico e cultural de cada um dos pontos visitados. Para enriquecer ainda mais a experiência imersiva, intervenções artísticas foram realizadas pelos artistas Anselmo Parabá, Régis Gomes, Dandara e Oliveira Filho. “Foi um grande dia para a Rota da Ancestralidade porque tivemos um número enorme de participantes, que vieram conhecer mais sobre esses sete pontos negros demarcados no centro histórico de Cuiabá”, avalia a jornalista e produtora do documentário, Bruna Maciel.
Voltando para o Misc, a Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira-MT) foi apresentada pelos seus membros – Aline Coelho, Bruna Maciel, Celly Silva, Cida Rodrigues, Julianne Caju, Magda Matos- e pelo presidente do Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso (Sindjor-MT), Itamar Perenha. Na oportunidade, eles apresentaram também a “lista negra”, um banco de dados que começou com mais de 100 nomes e contatos de personalidades negras de Cuiabá, para serem entrevistadas pela imprensa local.
“Fizemos o lançamento do que estamos chamando de lista negra, que é pra gente dar outros significados aos usos das palavras ‘preto’ e ‘negro’, que a todo tempo são tão associadas a tudo o que é ruim ou ilegal, a exemplo de mercado negro, ovelha negra, livro negro ou a própria lista negra. E nós sabemos o quanto as palavras têm poder. As palavras têm tanto poder que por muito tempo a nossa história foi apagada e invisibilizada e, muitas das vezes, muitos dos pretos e das pretas nem queriam se intitular preto. Na verdade, o mundo só trouxe uma parte da história, que é contada a partir da escravidão, mas sabemos que em África sempre existiu muita ciência, tecnologia, arquitetura, matemática… E hoje nós, pretos, não queremos falar apenas sobre racismo, somente no mês de novembro. Nós queremos ocupar todos os espaços para que a gente consiga, de fato, levar as nossas pautas. A lista negra é uma forma de mostrar para a imprensa mato-grossense que as pessoas negras estão em vários espaços e também querem se ver representadas na mídia”, explica a jornalista Julianne Caju.
O presidente do Sindjor-MT, Itamar Perenha, destacou, durante o evento, sua surpresa ao descobrir a história não contada do povo preto de Cuiabá e a importância desse resgate trazido, tanto pela Rota da Ancestralidade, quanto pela Cojira-MT. “A Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial foi instituída pelo Sindicato como forma de fazer com que a sociedade tenha possibilidade de conhecer toda a sua ancestralidade, que povo somos nós, como ele é constituído. E esse sincretismo todo é que faz de nós um povo pujante e capaz de superar todas as dificuldades. Daí vem a minha fé no Brasil”.
Para ter acesso à lista negra de fontes, os jornalistas interessados podem solicitar pelo email – [email protected]