Os jornalistas Enock Cavalcante e Alexandre Aprá foram alvo de uma busca e apreensão de seus computadores e celulares na terça-feira, 06.fev.2024. A ação faz parte da terceira fase da denominada Operação Fake News, em razão de um inquérito policial que tramita na Delegacia Especializada de Repressão a Crimes Informáticos (DRCI).
As organizações abaixo assinadas manifestam extrema preocupação com a investigação instaurada e as operações realizadas pela Polícia Civil do Mato Grosso com anuência da Justiça do estado. É incompatível com a proteção constitucional do direito à liberdade de imprensa que seja utilizado um instrumento penal contra jornalistas, especialmente tratando-se de representação por ofensa à honra.
A investigação foi instaurada por conta de uma representação apresentada pelo governador do estado, Mauro Mendes (UB), em razão da publicação de duas matérias no site Isso É Notícias, dirigido por Aprá. Os jornalistas são acusados de calúnia majorada, perseguição majorada e associação criminosa. O político afirma que teve sua honra violada pelas publicações, que teriam insinuado a existência de uma relação ilícita entre ele e o desembargador Orlando de Almeida Perri, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJ-MT).
Os conteúdos atacados dizem respeito a uma matéria da Repórter Brasil replicada pelo site Isso É Notícia, e um artigo de opinião assinado por Enock Cavalcanti, comentando sobre o episódio. Em 09.set.2023, a Repórter Brasil publicou uma matéria sobre o desembargador Orlando de Almeida Perri, do TJ-MT, que é também sócio majoritário da empresa do ramo da mineração. A matéria relata sua posição em julgamentos que afetam mineradoras, sua relação com garimpeiros investigados pelo uso de mercúrio ilegal e discute o conflito de interesses entre as atividades da magistratura e empresarial. Outros veículos também compartilharam a matéria e reproduziram o comunicado público de Perri em resposta às reportagens.
Após a representação de Mendes por ofensa à honra, foi instaurado o inquérito através do concurso com outros dois crimes. No decorrer do procedimento, já foram solicitados os dados cadastrais dos investigados, determinada a remoção das publicações do ar e, nesta semana, expedido um mandado de busca e apreensão tendo como objetivo os celulares, computadores e outros dispositivos informáticos dos jornalistas. A decisão foi do juiz João Bosco Soares da Silva, do Núcleo de Inquéritos Policiais (NIPO), e inclui a quebra de sigilo dos dados telemáticos para a extração de todas as informações.
Replicar reportagens de outros veículos e publicar artigos de opinião, mesmo que críticos, faz parte da atividade jornalística, fundamental para a manutenção da democracia. A tentativa de criminalização da profissão, cumulando delito de natureza privada com acusação de perseguição e associação criminosa, é uma grave violação à liberdade de imprensa. A operação desta semana também revela tentativa de violar o sigilo da fonte, prerrogativa fundamental da profissão jornalística.
Ao longo do ano passado, foram registrados diversos casos de assédio judicial contra profissionais da imprensa que produziram conteúdo crítico ao governador Mauro Mendes. Ao menos 17 profissionais estão sendo alvo de inquéritos policiais ou processos no estado, configurando um cenário de perseguições sistemáticas aos jornalistas e comunicadores que denunciam investigações em curso ou se posicionam contra ações do governo estadual.
O cenário de perseguições a jornalistas e comunicadores que atuam em Mato Grosso impacta não só os profissionais que atuam no estado, mas, sobretudo, prejudica a livre circulação de informações e de ideias, restringindo o direito da população de ser informada.
Assinam esta nota:
Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo
Artigo 19
Associação de Jornalistas de Educação – Jeduca
Comitê para Proteção de Jornalistas – CPJ
Federação Nacional dos Jornalistas – Fenaj
Instituto Palavra Aberta
Instituto Vladimir Herzog
Repórteres Sem Fronteiras – RSF
Tornavoz
SINDJORMT