Um dos maiores desafios da Lei de Acesso à Informação (LAI) é conviver em harmonia com outra legislação federal: a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A LGPD tem sido muito utilizada como forma de o serviço público negar informações a quem pede. O tema foi abordado nesta sexta-feira (29.set.2023) no encontro que celebrou os 20 anos do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, na PUC-SP.
“Um desafio da LAI é a LGPD”, afirmou a presidente da Abraji, Katia Brembatti. Discorrendo sobre o tema, a diretora de Articulação, Supervisão e Monitoramento de Acesso à Informação da CGU (Controladoria-Geral da União), Cibelle Brasil confirmou que, em muitas situações, os agentes públicos acabam negando informações por temer os riscos de ferir a LGPD. “Eu brinco com eles [funcionários públicos] que o descumprimento da LGPD dá multa, mas o descumprimento da LAI dá demissão”, disse ela.
As dimensões continentais do Brasil e suas peculiaridades em milhares de administrações públicas são outro entrave para que a LAI seja nivelada. Diretora de programas da Transparência Brasil, Marina Atoji apontou que, se há problemas no nível federal para que se faça valer a LAI, a situação é ainda pior em termos locais e regionais. “Nos estados e municípios, o acesso a informações públicas afunila. À despeito da autonomia entre os entes públicos, é preciso tentar nivelar a implementação da LAI”, defendeu Atoji.
Cofundador da agência Fiquem Sabendo, o advogado Bruno Morassutti destacou que, mesmo no nível federal, ainda falta muito para que as pessoas consigam o pleno acesso às informações públicas. Ele criticou as negativas da CGU quando alegam que os pedidos são “arrazoados”. “Todo pedido tem uma razão de ser. E a administração pública existe para prestar contas”, afirmou.
Cibelle Brasil defendeu o trabalho da CGU, afirmando que 93% dos pedidos feitos via LAI são atendidos. Mas apontou outro problema: a dificuldade de treinamento das equipes que são renovadas, geralmente, a cada eleição.
Bruno Morassutti destacou que, apesar do dever de prestação de contas do Poder Público, o sigilo eterno – a ausência de prazo para a publicização das informações requeridas – é usado como ferramenta autoritária. Para ele, há um “entulho autoritário” na democracia atual, pois há leis, anteriores à LAI, que estabelecem sigilo sem a devida fundamentação. Argumentos como a preservação da segurança nacional e das ações estratégicas da seara comercial são usados, corriqueiramente, para pautar o sigilo de informações, resultando na ausência de fiscalização de instituições estatais. “Na prática, quem fiscaliza essas instituições? Ninguém”, concluiu o advogado.
Homenageado como um dos fundadores do Fórum, o ex-presidente da Abraji e fundador do Poder360, Fernando Rodrigues, também falou sobre o sigilo eterno, expressão que surgiu no final do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 2002, após um decreto presidencial que ampliava os limites do sigilo de documentos do governo federal. Rodrigues citou colegas jornalistas, representantes da sociedade civil e políticos que tiveram papel importante na luta de mais de dez anos pela criação da Lei de Acesso à Informação.
Docente da UnB, Fernando Oliveira Paulino foi outro homenageado pelos organizadores do evento, dado seu papel fundamental na articulação dos movimentos da sociedade com o Poder Público em Brasília. Marina Atoji também recebeu uma homenagem por estar sempre à frente das lutas do Fórum por mais transparência pública.
Mediador do debate, o editor-chefe do The Intercept Brasil, Flávio Costa, destacou que uma dificuldade do Brasil é ter “um histórico de autoritarismo muito forte”. E Fernando Paulino resumiu o papel do Fórum e da LAI nesse contexto: “a informação é o oxigênio da democracia”.
A Abraji, a agência Fiquem Sabendo e a organização canadense IFEX desenvolveram o projeto “LAI para comunicadores”, com o intuito de oferecer formações sobre o acesso à informação para comunicadores locais.
O evento foi transmitido ao vivo pela TV PUC e a gravação já está disponível no canal do Youtube da Abraji.
Fonte:Abraji