Com Vinicius Souza
Apesar da violência contra a imprensa ter caído ano passado com o início do governo Lula, a escalada da perseguição a jornalistas críticos ao governo de Mato Grosso, aliado ao bolsonarismo, segue forte e galgou um novo patamar na semana passada. No dia 6 de fevereiro, o Tribunal de Justiça do estado TJMT, emitiu três mandados de busca e apreensão contra os jornalistas Enock Cavalcanti, da Página do Enock (https://paginadoenock.com.br/), Alexandre Aprá, do site Isso é Notícia (https://issoenoticia.com.br/) e o publicitário e jornalista Marco Pinheiro, o Popó, irmão do prefeito de Cuiabá Emanuel Pinheiro (MDB) e inimigo político do governador Mauro Mendes (União Brasil). Além da busca e apreensão, o delegado Ruy Guilherme Peral da Silva, titular da Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Informáticos DRCI, da Polícia Civil, pediu a prisão preventiva de Aprá. O pedido de prisão, todavia, não foi apoiado pela promotora de Justiça Laís Glauce Santos e acabou sendo negado pelo juiz João Bosco Soares, da 10ª Vara Criminal de Cuiabá. Segundo a Polícia Civil de MT, os alvos da operação estavam com uma conduta reiterada de veiculação de informações falsas para atingir a imagem de autoridades. Os crimes investigados seriam os de “calúnia majorada, perseguição majorada e associação criminosa”.
A história real por trás da operação da semana passada, no entanto, é bem mais complicada. Os jornalistas são acusados de produzirem fake news contra Mendes e contra o desembargador do TJMT, Orlando de Almeida Perri, simplesmente pela fato de terem reproduzido uma reportagem do site Repórter Brasil, comandado pelo jornalista Leonardo Sakamoto, que relatou a entrada de Perri no mercado de ouro mato-grossense, passando a comandar empresas de mineração no Estado (veja matéria aqui: https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2023/09/22/socio-de-mineradora-juiz-atuou-em-julgamento-sobre-lei-pro-garimpo-no-mt.htm). Colunista no site de Aprá, Cavalcanti escreveu dois artigos cobrando esclarecimentos de Perri, que sempre figurou em Mato Grosso como um magistrado de perfil moralista e agora era citado como novo e forte investidor no mercado da mineração mato-grossense, se beneficiando de lei aprovada pela bancada governista estadual de liberação de exploração em áreas de preservação ambiental.
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O jornalista Alexandre Aprá, por sua vez, também já havia frequentado essas páginas virtuais quando denunciou perseguição do governador Mauro Mendes, incluindo espionagem por detetives particulares e possível armadilha para montagem de um falso flagrante de crime. Na época, Aprá havia feito uma série de reportagens sobre pagamentos sem licitação de publicidade, no valor de R$ 54 milhões (veja matéria aqui: https://jornalistaslivres.org/jornalista-e-ameacado-por-materias-investigativas-sobre-familia-de-governador-do-mt/).
A trama para incriminar, ou no limite assassinar, Aprá envolveria detetive/pistoleiro interessado em regularizar uma fazenda de 8 mil hectares no norte do estado, uma advogada prima de ministro do STF que recebeu 1.5 mil hectares dessa fazendo como honorários, o marido juiz da advogada e a primeira-dama do estado, Virginia Mendes. Essa história está muito bem contada em reportagem da Agência Pública (veja em https://apublica.org/2023/01/gravacoes-colocam-mauro-mendes-sob-suspeita-de-tramar-contra-jornalista/) por áudios de outro jornalista que se infiltrou no esquema para outra reportagem, mas quando viu a ameaça de morte ao colega gravou o detetive e denunciou a trama. Por conta do possível envolvimento de parte do judiciário estadual, a Fenaj pediu há mais de um ano a federalização do caso.
Ainda na seara de perseguições a jornalistas através do judiciário mato-grossense, no final de 2023 o professor de Jornalismo e de pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Mato Grosso UFMT, Bruno Araújo, foi processado pelo deputado federal Abílio Brunini (PL).
O motivo foi a publicação de uma reportagem no site local Olhar Direto, de uma análise do professor sobre gesto realizado pelo deputado durante a CPMI do 8 de Janeiro relacionado com grupos supremacistas brancos (veja em: https://www.olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?id=522769¬icia=pesquisador-analisa-polemica-envolvendo-abilio-engano-achar-que-e-gesto-inocente-e-nao-pensado&edicao=1). No final de janeiro o professor foi absolvido no processo por calúnia e difamação (veja em: https://pnbonline.com.br/professor-da-ufmt-e-absolvido-de-processo-movido-por-abilio/). Assim como nos casos acima, Araújo recebeu o apoio de entidades do jornalismo como o Sindicato e a Fenaj, além das entidades da educação e das instâncias superiores da UFMT.
No caso da nova operação Fake News3, organizações como o Instituto Vladimir Herzog, FENAJ, ABRAJI, Artigo 19, Repórteres em Fronteiras e Comitê para Proteção dos Jornalistas divulgaram nota conjunta (veja em https://vladimirherzog.org/organizacoes-manifestam-preocupacao-operacao-policial-contra-jornalistas/) contra a perseguição judiciária à profissão informando que: “Replicar reportagens de outros veículos e publicar artigos de opinião, mesmo que críticos, faz parte da atividade jornalística, fundamental para a manutenção da democracia. A tentativa de criminalização da profissão, cumulando delito de natureza privada com acusação de perseguição e associação criminosa, é uma grave violação à liberdade de imprensa. A operação desta semana também revela tentativa de violar o sigilo da fonte, prerrogativa fundamental da profissão jornalística.”. A nota salienta ainda que “Ao longo do ano passado, foram registrados diversos casos de assédio judicial contra profissionais da imprensa que produziram conteúdo crítico ao governador Mauro Mendes. Ao menos 17 profissionais estão sendo alvo de inquéritos policiais ou processos no estado, configurando um cenário de perseguições sistemáticas aos jornalistas e comunicadores que denunciam investigações em curso ou se posicionam contra ações do governo estadual”.
Motivo de preocupação
O SINDJOR/MT vê com preocupação a possível indicação do advogado do Governador Mauro Mendes para vaga aberta para desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso/MT.
Eleito como um dos 6 nomes da lista sêxtupla da Seccional de Mato Grosso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MT), para a vaga de desembargador, o advogado Hélio Nishiyama, já atuou como advogado do governador Mauro Mendes em vários processos, inclusive contra jornalistas.
A lista segue para o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), que escolhe 3 nomes que então serão encaminhados ao governador, que definirá quem ocupará a vaga de desembargador.