50 anos de Herzog: STM pede perdão e racha o Tribunal, Instituto atende jornalistas em MT, saiba como solicitar ajuda

Presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth Rocha Foto: reprodução internet
Presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth Rocha Foto: reprodução internet
Presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth RochaFoto: reprodução internet
Presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth Rocha
Foto: reprodução internet

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por  Rogério Florentino 

Enquanto presidente da corte militar pede desculpas pela ditadura, rede de proteção do instituto herzog acumula 270 casos de ataques, agora focados no ‘assédio judicial’.

O dia 25 de outubro de 2025 marcou os 50 anos do assassinato de Vladimir Herzog. A data, um símbolo da brutalidade da ditadura militar (1964-1985), foi palco de um gesto inédito e de uma crise exposta. Pela primeira vez, a presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth Rocha, pediu perdão “pelos erros e omissões judiciais” do período.

O ato, realizado na Catedral da Sé em São Paulo, abriu uma fissura na corte e expôs uma tensão que espelha a realidade fora dos tribunais: enquanto o passado é (lentamente) revisto, o presente revela uma escalada de novos tipos de violência contra a imprensa. O legado de Herzog, hoje, se divide entre a busca por reparação histórica e a luta contra o silenciamento moderno.

O perdão e a fúria

Durante o ato ecumênico, que relembrou a missa histórica de 1975, a ministra Maria Elizabeth Rocha foi direta. “Estou presente […] para, na qualidade de presidente da Justiça Militar da União, pedir perdão a todos que tombaram e sofreram lutando pela liberdade no Brasil”, declarou.

Ela listou nominalmente vítimas como Rubens Paiva, Miriam Leitão, José Dirceu e o próprio Herzog. A ministra, que tem histórico pessoal ligado à ditadura—seu cunhado, Paulo Ribeiro Bastos, desapareceu em 1972 após ser preso pelo DOI-CODI—, foi aplaudida de pé por familiares de vítimas.

A reação interna foi imediata.

Cinco dias depois, em 30 de outubro, o ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira, tenente-brigadeiro da Aeronáutica, usou o plenário para criticar a presidente ausente. Ele recomendou que Rocha “estudasse um pouco mais de história” do STM para “opinar sobre a situação” e classificou a fala como superficial e política.

A resposta de Rocha veio na sessão seguinte, em 4 de novembro, agora frente a frente. Ela rebateu, acusando o colega de adotar um “tom misógino” e de praticar uma “agressão desrespeitosa” contra toda a magistratura feminina. “Tratou-se de gesto eticamente republicano”, defendeu a presidente, afirmando ter “memória bem catalogada” sobre a história da corte.

Quando Amaral retrucou não ter dado “permissão” para ela falar em seu nome, Rocha disparou: “Nem eu quero”.

Os outros 13 ministros da corte, dez deles militares, permaneceram em silêncio.

A sombra do DOI-CODI

A tensão no STM em 2025 remete diretamente aos fatos de 1975. Vladimir Herzog, então diretor de jornalismo da TV Cultura, apresentou-se voluntariamente ao DOI-CODI em São Paulo em 25 de outubro daquele ano.

Foi detido, torturado e morto aos 38 anos.

A versão oficial, de suicídio, foi sustentada por um laudo fraudulento e uma foto notoriamente manipulada, que mostrava Herzog enforcado com os pés tocando o chão. O rabino Henry Sobel desafiou o regime ao se recusar a enterrar o jornalista na ala de suicidas do cemitério, um ato de coragem que galvanizou a resistência.

A Justiça Militar da época, a mesma que Rocha hoje preside, arquivou o caso em 1976, validando a farsa. Somente em 1978, na Justiça Federal, o juiz Márcio José de Moraes declarou a responsabilidade do Estado pela morte.

Contudo, a Lei da Anistia de 1979, validada pelo STF em 2010, serviu como escudo para os agentes da repressão. A impunidade só foi formalmente quebrada em 2018, quando a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) condenou o Brasil, classificou o assassinato como crime contra a humanidade e determinou que a Anistia não poderia impedir a investigação.

Apesar da ordem internacional, ninguém foi criminalmente processado.

A luta mudou de forma

Se há 50 anos a violência era física, hoje ela se sofisticou. O mesmo Instituto Vladimir Herzog (IVH) que organiza os atos em memória do jornalista, coordena desde 2018 a Rede Nacional de Proteção de Jornalistas e Comunicadores.

O cenário é alarmante. Entre 2018 e 2024, foram registrados 1.902 episódios de violência contra jornalistas no Brasil.

O relatório mais recente da Fenaj, de 2024, aponta que o maior perigo não é mais (apenas) a agressão física, mas o “assédio judicial”. Esta prática representou 15,97% dos 144 ataques registrados naquele ano. Trata-se do uso abusivo da Justiça para intimidar e silenciar repórteres.

Segundo os dados, políticos, assessores e apoiadores ideológicos, principalmente da direita e extrema direita, são responsáveis por mais de 40% dessas violações.

A Rede, lançada oficialmente em 2021 em parceria com a Artigo 19 e outras entidades como Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e Intervozes, já acumula mais de 270 atendimentos. Ela opera em um tripé: articulação, formação em segurança e um canal de denúncias confidenciais (rededeprotecao.org.br).

A Rede de Proteção em Mato Grosso

A atuação da Rede é capilarizada. Em Mato Grosso, por exemplo, o representante é Rogério Florentino, vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas do estado (SINDJOR/MT), editor chefe do site www.conexaomt.com e proprietário do site www.lupamt.com (site sobre meio ambiente).

Segundo o sindicato, a parceria com a Rede já facilitou a defesa de mais de 28 jornalistas mato-grossenses, a maioria alvo justamente do assédio judicial.

O trabalho do IVH na proteção a comunicadores rendeu reconhecimento internacional. Em maio de 2025, o instituto recebeu o Prêmio de Direitos Humanos da União Europeia por um projeto focado na Amazônia.

O paradoxo brasileiro ficou evidente nos atos de 50 anos. Enquanto a ministra Rocha pedia perdão na Sé, o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo anunciava uma ação judicial coletiva contra a União. O objetivo é buscar reparação pelos crimes da ditadura contra jornalistas, pedindo que a indenização seja revertida ao Instituto Vladimir Herzog, para financiar, ironicamente, a proteção contra as ameaças de hoje.

O pedido de perdão de Rocha é histórico, mas o silêncio de seus pares e a reação de Amaral mostram que o muro da impunidade, embora com fissuras, segue de pé. A existência da Rede de Proteção prova que, 50 anos depois, a luta de Herzog pela informação livre continua.

Acolhimento aos jornalistas
A Rede, em MT, atua em conjunto com o SINDJOR. Os jornalistas que estiverem sofrendo algum assédio judicial podem entrar em contato com o Sindicato via app whatsapp, onde Florentino exerce também a função de Diretor de Prerrogativas.

Para entender melhor

DOI-CODI: Sigla para Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna. Foi o principal órgão de inteligência e repressão da ditadura militar, notório centro de tortura e assassinatos.
Assédio Judicial (SLAPP): Sigla em inglês para Strategic Lawsuit Against Public Participation (Ação Judicial Estratégica Contra a Participação Pública). Refere-se ao uso de processos judiciais (muitas vezes infundados ou por danos morais) com o objetivo de intimidar, silenciar e esgotar financeiramente críticos, como jornalistas e ativistas.
Lei da Anistia (1979): Lei promulgada no final da ditadura que perdoou crimes políticos cometidos por ambos os lados (perseguidos políticos e agentes do Estado). O STF, em 2010, manteve a interpretação de que a lei também beneficiava os torturadores, garantindo sua impunidade.
Corte IDH: A Corte Interamericana de Direitos Humanos. É um órgão judicial internacional que julga violações de direitos humanos ocorridas em países membros da OEA (Organização dos Estados Americanos). Suas sentenças são vinculantes e obrigam os Estados a cumpri-las.

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